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Ações decididas em audiência podem acabar com cursos EaD na área da saúde em MS

A oferta de cursos em saúde na modalidade de Ensino a Distância (EaD) poderá ser proibida em Mato Grosso do Sul. A medida é suscitada por duas frentes de ações, decididas em audiência pública realizada nesta sexta-feira (8) na Assembleia Legislativa: apresentação de dois projetos de lei na próxima semana e análise do ingresso na justiça de pedido para suspensão imediata desses cursos.

A audiência, proposta pelo deputado Dr. Paulo Siufi (PMDB), tratou sobre a gravidade da expansão de cursos a distância na área de saúde. Conforme dados apresentados pela coordenadora da Comissão de Educação dos Fóruns dos Conselhos Federais da Área da Saúde (FCFAS), Zilamar Costa Fernandes, durante palestra que antecedeu as discussões, a quantidade de vagas em cursos EaD na área de saúde teve incremento de 124% em um ano em todo o País. Por curso, o aumento chega a 3.628%.

Esse cenário, conforme notaram Zilamar e outros participantes da reunião, está associado a série de problemas, que se apresentam como causas ou como consequências dessa expansão: precarização do ensino, má formação de profissionais na saúde e decorrentes riscos à população, mercantilização da educação, demissão em massa de professores, entre outros danos.

Na sessão ordinária de terça-feira (12), Siufi irá apresentar, conforme adiantou, dois projetos de lei, que proíbem o funcionamento de cursos a distância na área de saúde – uma matéria trata sobre cursos de nível superior e a outra, a respeito de qualificações em nível médio.

Além disso, as assessorias jurídicas dos vários conselhos de profissionais da área vão analisar a possibilidade de ingresso de ação judicial solicitando, em caráter liminar, a suspensão imediata da oferta de cursos EaD em saúde no Mato Grosso do Sul.

O debate não se limita a Mato Grosso do Sul, mas se estende ao Congresso Nacional, com atuação de parlamentares do Estado. Na próxima terça-feira (12), o deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM), que esteve na audiência de hoje, reúne-se com o ministro da Educação, Rossieli Soares da Silva, para tratar sobre o assunto. Esse encontro terá participação, ainda, de representantes de conselhos federais e do senador Waldemir Moka (PMDB), que também esteve na audiência pública desta sexta-feira.

O problema também deverá ser tratado na Câmara de Vereadores de Campo Grande. O vereador Wilson Sami (PMDB), que esteve na audiência na Assembleia, afirmou que vai levar a discussão para o Legislativo Municipal.

Expansão, mercantilização e precarização

“Cuidar da saúde exige prática e prática não se adquire a distância”. Com essa frase, dita com voz embargada, Zilamar Costa encerrou sua palestra. Ela apresentou diversos dados que dimensionam a gravidade do crescimento da oferta de cursos EaD em saúde e irregularidades na modalidade.

Conforme Zilamar,  a disparada da oferta de cursos a distância foi impulsionada pelo Decreto Federal 9.057/2017, que regulamentou o artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Esse artigo prevê o incentivo pelo poder público do desenvolvimento e da veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades.

Dados levantados por Zilamar mostram crescimento médio de 124% no número de vagas em cursos EaD em saúde no intervalo de fevereiro de 2017 (274.603) a março deste ano (616.632). As altas mais expressivas foram verificadas nos cursos de biomedicina (3.628%, de 1.200 para 44.739 vagas), medicina veterinária (2.276%, de 500 para 11.879), fisioterapia (792%, de 5.700 para 50.829) e biologia (471%, de 3.420 para 19.560 vagas).

O problema não se restringe ao aumento expressivo da oferta, conforme observou Zilamar. De acordo com ela, as instituições de ensino descumprem normas federais e a fiscalização é inexpressiva.

Nos cursos a distância, os alunos deveriam desenvolver as mesmas atividades da modalidade presencial, como estágios, avaliações, prática em laboratório e Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). No entanto, isso não ocorre, entre outros fatores, devido à discrepância entre a quantidade elevada de polos e o número reduzido de sedes, falta de espaço físico e “facilidades” ao estudante.

Ela afirmou que a fiscalização do MEC é feita nas sedes das instituições de ensino, mas não nos polos. “Existem 231 sedes com 11.688 polos. A vistoria só é feita nas sedes, ou seja, 11.688 polos de ensino a distância funcionam sem supervisão”, detalhou.

Com a disparidade entre quantidade de sedes e de polos, as normas são descumpridas. Não há, por exemplo, possibilidade de contemplar os alunos com aulas em laboratórios. “Não existe espaço físico para isso. Onde serão colocados tantos alunos para aulas práticas com essa estrutura laboratorial?”, questionou.

Também não há respeito pelo limite de polos determinado pelo MEC. Zilamar informou que o Ministério fixa a quantidade conforme a nota das instituições: as com conceito três podem ter até 50 polos; com conceito quatro, até 150; e com cinco, até 250. Entretanto, há universidade com nota três que tem 581 polos com cursos de Educação Física; outra, também com conceito três, que tem 479 polos para Serviço Social; entre tantos outros exemplos listados por Zilamar.

A situação se agrava com a quantidade de professores: a média é de sete para cada mil alunos. Zilamar informou que os docentes são contratados, muitas vezes, como conteudistas. Gravam vídeo-aula, recebem entre R$ 600 e R$ 900, e cedem o direito de uso desse material. Os vídeos são utilizados inúmeras vezes, o que representa ganho financeiro muito alto às universidades, mesmo oferecendo cursos por preços irrisórios – foi citado, na reunião, que há cursos a distância por R$ 49,90.

Os resultados diretos disso são fechamento de cursos presenciais e demissão em massa de professores universitários. Sobre essa questão, foi mencionado, na audiência, que foram demitidos, recentemente, 1.600 docentes de cursos de biomedicina.

“É a massificação do ensino”, definiu Zilamar. “Os cursos a distância se tornaram simples depósitos de conteúdos ministrados de maneira igualitária em todo o País, sem respeito às diferenças regionais”, considerou. “Como garantir a segurança do paciente com essa formação? Como garantir competência sem treinamento de habilidades? Como assegurar a humanização, o toque , o acolhimento, o olho no olho? Como realizar a prática sem laboratórios de ensino?”, listou série de questionamentos.

A alternativa é o enfrentamento, afirmam parlamentares

Os parlamentares presentes na audiência manifestaram o mesmo entendimento quanto o caminho para resolução do problema: o enfrentamento. Isso porque o avanço acelerado dos cursos EaD beneficia grandes grupos empresariais da educação.

“O ensino virou uma coisa mercantil. Estou indignado com isso”, criticou o senador Moka, que foi professor durante 15 anos. “Não tem como concordar com isso. Se tivermos que ir ao enfrentamento, nós vamos. Não podemos nos omitir. Não tem outro jeito: preparem-se para uma luta muito dura”, avisou.

Para o deputado federal Mandetta, a relação entre cursos à distância e interesses do mercado é ocultada pelo falso argumento da autonomia universitária. “Esses números vêm ganhando força no Brasil em nome de uma autonomia universitária, por pressão do mercado, de conglomerados, de grandes holdings”, afirmou. “Os números crescem por segundo, em progressão geométrica”, alertou.

Ele também se mostrou preocupado com as precariedades e irregularidades. “Tem polo que foi visitado e que, na verdade, era uma padaria, onde funcionavam quatro cursos. Não há controle de nada, da existência de diplomas falsos; afinal, a web é uma rede aberta”, comentou.

O ensino exclusivo pela internet também foi criticado pelo deputado estadual Dr. Paulo Siufi. “Como uma pessoa que fica apenas em frente a uma tela de computador pode dizer depois que é médico?”, questionou. “Se não teve contato com paciente, não pode se considerar um médico”, acrescentou.

O parlamentou lamentou o interesse abaixo do esperado para uma questão de tamanha gravidade. “É uma pena que este auditório não esteja lotado. Temos que mobilizar, encher o plenário. Os caminhoneiros pararam o país. Por que nós da saúde não?”, comparou. E completou, lembrando sua época de estudante: “Se fosse naqueles tempos que eu fazia faculdade, nós não íamos ficar sem fazer nada”. Sentado a seu lado, o deputado Mandetta emendou: “Seria greve geral”.

Presidente da Comissão de Educação da Assembleia, o deputado Pedro Kemp (PT), presente na audiência, acrescentou que seria possível recorrer à Justiça para barrar o crescimento dos cursos EaD em saúde. “Há brechas para isso, pois as universidades estão descumprindo normas e devem ser penalizadas”, defendeu o parlamentar, que também é da área da saúde – ele é psicólogo.

Kemp estendeu à discussão para a situação da educação como todo. “O ensino no país vai de mal a pior. Falo isso com dor no coração. Temos que olhar com carinho para a educação brasileira. Estão chegando ao ensino superior analfabetos funcionais. O ensino está requerendo um tratamento na UTI”, finalizou.

Participantes

Também estiveram presentes na audiência, compondo a mesa, a professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e doutora em Ciências Médicas, Ana Beatriz Gomes de Souza Pegorare, a enfermeira do trabalho e representante do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Ivone Martino de Oliveira, a farmacêutica Márcia Saldanha, do Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul (CRF/MS) e o professor e coordenador do curso de Farmácia na Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande, Luiz Fabrício Gardini Brandão.

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